As relações de parentesco são um importante tema de estudo dentro da antropologia. Sejam as sanguíneas ou de afinidade, muito de debruçou nessas relações – que o diga Lévi-Strauss, em busca das outras relações com as sociedades e suas “estruturas” de funcionamento, de trocas, de aliança políticas, traços religiosos e etc. Há todo um arsenal de teorias e exemplos de etnografias clássicas sem contar os infindáveis gráficos e rabiscos tentando deixar essa constituição o mais claro possível para nós meros ocidentais entendermos. Digo ocidentais, porque caso não esteja enganada, os estudos das relações de parentesco foram feitos em comunidades indígenas ou como muitos antropólogos chamavam, primitivas, embora possamos observar esse “sistema” em vários grupos.
O termo primitivo, no sentido de inferior e não no sentido de primeiro, é uma das categorias conceitual que foi criada no calor das posturas eurocêntricas, achando que a Europa era a mais bonitinha e desenvolvida do pedaço. O que não era Europa não era científico, lógico, evoluído.
E assim temos outro conceito, o etnocentrismo, quando não mais a Europa é o centro, mas “eu” bem melhor que o “outro”. Assim sendo os povos eram primitivos por uma questão eurocêntrica e as relações parentescas em Ilhéus eram pessímas por causa do meu etnocentrismo. Como assim? Deixe-me (des)enrolar um pouco.
Em Ilhéus, uma cidade no sul da Bahia, com aproximadamente 170 mil habitantes, onde morei por 18 anos, o cacau moveu a economia local por muitos anos até seu declínio. A economia declinou, o dinheiro de muitas famílias acabou mas o poder do sobrenome dos fazendeiros de cacau sobrevive firme e forte até hoje.
Em geral, depois de alguns segundos de conversa com algum estranho, rapidamente surge o questionamento: de quem você é filho?, como uma evidência clara da busca pelas ligações familiares, as relações de parentesco.
Assim como dito no primeiro parágrafo, essas relações reconhecidas pelos sobrenomes ainda negocia em Ilhéus pessoas, status social, postos de trabalhos e quiçá vínculos religiosos. Eu sempre achei péssimo isso de perguntar de quem eu era filha. Primeiro porque sempre achei que sou uma pessoa dotada de agência independente de quem eu seja prole, segundo que meu sobrenome paterno – o mais procurado nesses casos – não era da região, então aí mesmo que ninguém me conhecia e terceiro porque não tendo um sobrenome reconhecido nessas relações eu tinha poucas chances de muitas coisas: desde fazer amizades até conseguir trabalhos.
E aí entramos no conceito do etnocentrismo. Eu achava que isso era inviável. Como uma cidade pode sobreviver com essa ideia de atrelar o sobrenome das pessoas às suas conquistas pessoas e profissionais?? Contudo, mesmo que “eu” ache isso errado e que isso prejudicasse e prejudique pessoas, e que eu seja contra o fato das pessoas serem valorizadas por uma questão de status social, tenho que admitir que essas relações de parentesco são muito importantes, forte e presentes na dinâmica social ilheense. É ela que ainda possibilita uma série de trocas, que faz e desfaz alianças políticas, econômicas e sociais.
Lógico que algumas coisas poderiam mudar, mas acredito que isso não deve ser imposto, numa clara metodologia colonial, mas que a dinâmica social e seus agentes podem ir mudando alguns contextos ou exigências nessas relações, que como dito acima não são apenas consanguíneas mais também por afinidades. Acredito ainda que tal situação já vem apresentando mudanças significativas.
Vale ressaltar que não é que as pessoas e grupos “evoluem”, mas que elas vão respondendo às suas demandas de formas diferentes, em tempos diferentes. Não sei até que ponto vai esse meu entendimento em relação a essa situação ilheense, mas certamente estou fazendo o exercício de respeito e diálogo dos mundos que me cercam.